Em: 14/10/2020

Foi publicada no Diário Oficial da União de 14.10.2020 a Lei n. 14.071, de 13.10.2020, que promove alterações importantes na Lei n. 9.503, de 1997 ― Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Uma das mais importantes, que pode afetar concretamente a vida de muitas pessoas, tem natureza penal.

Para entendermos melhor, já faz algum tempo que a legislação brasileira vem endurecendo a responsabilidade, tanto administrativa quanto criminal, por infrações às leis de trânsito. Atenção especial tem sido dada ao problema crônico da embriaguez ao volante. A questão atinge diretamente os arts. 302 e 303 do CTB, que tratam sobre homicídio e lesão corporal culposos, respectivamente, na condução de veículo automotor.

A Lei n. 12.971, de 2014, modificou diferentes tipos penais e criou hipóteses de aumento de pena para os delitos daqueles arts. 302 e 303, além de inserir uma forma qualificada de homicídio, ou seja, com pena maior, para a hipótese de o condutor estar sob o efeito de álcool ou substância capaz de provocar dependência. Posteriormente, a Lei n. 13.546, de 2017, aumentou ainda mais a pena, em caso de embriaguez, passando para os atuais 5 a 8 anos de reclusão, para o homicídio, e para 2 a 5 anos de reclusão, nos casos de lesão corporal grave ou gravíssima.

A lei publicada hoje inseriu no CTB uma norma que impede, nos casos de homicídio e lesão corporal culposos de trânsito, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. De acordo com o Código Penal, essa substituição seria possível, como regra, nos casos de crimes culposos.

Aos poucos, porém de forma clara e consistente, o legislador brasileiro está abdicando do tratamento mais brando dispensado aos casos de culpa, quando o tema seja embriaguez ao volante que deixa vítimas. Trata-se de óbvia concessão ao populismo punitivo, que viceja sem dificuldades em todos os espectros políticos, porque sempre capitaliza aprovação popular e, consequentemente, votos. Além disso, incorre no pecado tão antigo quanto o mundo de apostar na punição como forma de solução de conflitos, de modificação de comportamentos aversivos.

Essa aposta tem malogrado em todos os seus contextos de aplicação, mas é uma opção mais simples do que modificar as estruturas sociais que levam ao surgimento desses conflitos e comportamentos.

As mudanças, que entrarão em vigor no dia 2.4.2021, prometem causar efeitos importantes, porque penas de reclusão podem levar o infrator ao regime fechado, em tese, mesmo quando inferiores a 8 anos e sendo o réu primário, desde que as circunstâncias concretas do caso o recomendem, o que sempre dependerá da discricionariedade judicial. E o sistema punitivo tende a se render ao mesmo populismo. Além disso, com a evidente intenção do legislador de responder ao problema com prisão, os juízes possivelmente se sentirão mais inclinados a decretar e a manter prisões cautelares. Por conseguinte, duas preocupações adicionais devem ser consideradas por quem realmente deseja o aprimoramento das relações humanas: o impacto que a novidade pode ter sobre a população carcerária e o risco de incremento da corrupção entre os agentes de trânsito e policiais.

Quem se contenta com leis mais duras e não pensa nas implicações está apenas fingindo ter preocupação com as vítimas e com o respeito às leis, exigência imprescindível de humanidade, a primeira, e de uma verdadeira república, de um verdadeiro Estado democrático de Direito, a segunda.

Por Yúdice Andrade, advogado criminalista,
integrante da SMA Advocacia

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