Em: 28/05/2019

Por Leonardo Takehiro Lopes Watanabe, advogado.

No dia 1º de março de 2019, a Governo Federal editou a Medida Provisória nº 873/2019, que alterou dispositivos da CLT e da Lei n. 8112/90, com o objetivo de regular a autorização prévia e o recolhimento das mensalidades sindicais e contribuições sindicais devidas aos sindicatos de classe.

Promovendo uma alteração no art. 582 da CLT, a MP 873/2019 determina que o pagamento das mensalidades sindicais não poderá mais ser feito através de descontos em folha de pagamento, mas apenas por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, a ser encaminhado pelas entidades sindicais à residência dos empregados ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa.

Para justificar estas alterações, o Ministro da Economia Paulo Guedes apresentou como exposição de motivos (EM nº 00026/2019 ME) o fato de que os descontos em folha seriam um “privilégio injustificável em prol das entidades sindicais de servidores públicos, as quais deveriam custear suas operações por meios exclusivamente privados, sem qualquer interferência ou favor estatal”.

E prossegue afirmando que “o Estado não deve possuir ingerência sobre qualquer relação envolvendo a entidade sindical e o servidor público e não pode conferir tratamento diferenciado e preferencial para uma categoria específica de trabalhadores”, bem como se diz confiante de que as mudanças previstas na MP 873/2019 serão de “fundamental importância no processo de fortalecimento da estrutura sindical brasileira”.

Discordando completamente de todos os argumentos apresentados na exposição de motivos do Ministro Paulo Guedes, o Escritório Sílvia Mourão Advogadas Associadas ajuizou ações civis coletivas e mandados de segurança nos Estados do Pará e Maranhão evidenciando a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 873/2019, bem como pedindo, em tutela antecipada, a manutenção dos descontos das mensalidades sindicais nas folhas de pagamento.

Isto porque, a alegada intenção de promover a não interferência do Estado na organização sindical possui nenhum sentido, pois a própria Constituição Federal, em seu art. 8º, inc. IV, já autoriza a possibilidade de desconto em folha de contribuições sindicais.

Esta previsão constitucional é muita clara e tem como objetivo a proteção da entidade sindical. Trata-se do reconhecimento do legislador constituinte acerca da relevância social que os sindicatos possuem e da necessidade de garantir a sua subsistência financeira.

E mais, ao efetuar os descontos em folha de pagamento, o Estado não pratica qualquer ato de ingerência na relação do sindicato e o trabalhador. É tão somente o repasse de valores previamente autorizado em norma coletiva, havendo nenhuma participação do Estado, a não ser o de lançar o referido desconto em seu sistema de folha de pagamento. Há nenhum custo envolvido neste simples ato.

É evidente, portanto, que a intenção da MP 873/2019 jamais foi diminuir a intervenção estatal e do empregador ou mesmo a proteção do salário do trabalhador, mas sim, pura e simplesmente, promover um ataque direto às entidades sindicais, enfraquecendo-as ao ponto da inanição financeira, para que o trabalhador não possua mais uma representatividade sindical forte para defender seus direitos.

À evidência, a MP 873/2019 possui um claro escopo de práticas antissindicais e inviabilizadoras das atividades sindicais.

As alterações promovidas na CLT, atentam contra a liberdade sindical e à livre negociação (Constituição Federal, artigo 8º, caput e inc. VI), notadamente por pretender impedir, que os sindicatos estabeleçam e regulem formas de financiamento e de desconto em acordos e convenções coletivas de trabalho.

Ainda quando das discussões decorrentes da Reforma Trabalhista, o Ministério Público do Trabalho, por meio da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS), emitiu a Nota Técnica nº 02/2018, nos qual afirma que o tripé da organização sindical brasileira é formado pela unicidade, pelo efeito erga omnes da negociação coletiva e pela contribuição sindical descontada de todos os trabalhadores. Ao se retirar um desses pilares, o sistema poderá ruir como um todo.

A negociação coletiva é direito fundamental social dos trabalhadores (CF, arts. 7º, inc. XXVI e 8º, inc. VI). Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais de toda a categoria. O sindicato negocia e participa compulsoriamente das negociações coletivas, firmando instrumentos normativos que valem para todos os representados, associados e não associados.

Por estas razões, desde o início de vigência da Reforma Trabalhista, o Ministério Público do Trabalho defende que a atividade desenvolvida pelos sindicatos em prol da defesa dos direitos sociais trabalhistas requer fontes de financiamento legítimas.

Recentemente, o CONALIS emitiu a Nota Técnica nº 03/2019, que aponta que a MP 873/2019 atenta contra a “autonomia privada coletiva, a liberdade sindical e à livre negociação (CF, art. 8º, caput, I e VI e Convenções n. 87, 98 e 154 da OIT), pois impedem que os sindicatos estabeleçam livremente em seus Estatutos, ou negociem e regulem formas de financiamento e de desconto em acordos e convenções coletivas de trabalho, configurando grave e vedada interferência e intervenção do Estado na organização sindical, razão pela qual não pode prevalecer ante a sua flagrante inconstitucionalidade e inconvencionalidade”.

Não bastando, a MP 873/2019 também padece de clara inconstitucionalidade por violação ao princípio da isonomia de tratamento das pessoas jurídicas (CF, art. 5º, caput).

Se por um lado o Ministro Paulo Guedes defende que o sindicato deveria ter ingerência própria sobre suas fontes de renda, de forma totalmente desvinculada do Estado, tal qual a pessoa jurídica de direito privado que é, a Medida Provisória nada menciona sobre outras sistemáticas de descontos em folha, contratados pelos trabalhadores junto às instituições financeiras.

Não há tratamento isonômico ao negar a permanência dos descontos em folha de pagamento apenas sobre verbas devidas aos sindicatos, porém, continuar permitindo os descontos a outras pessoas jurídicas. Novamente, as reais intenções do Governo Federal se revelam.

Por fim, o Escritório Sílvia Mourão entende que a MP 873/2019 é inconstitucional por não se verificar a presença de seus requisitos autorizadores (caput do artigo 62 da Constituição da República), como ato normativo que é cabível somente em caso de relevância e urgência.

Com efeito, a matéria tratada não possui grande relevância para os rumos econômicos, políticos ou sociais do país, dado que versa apenas sobre a forma de repasse da contribuição sindical. A questão acerca da obrigatoriedade dessa contribuição (esta sim, uma matéria com um fundo de direito relevante para discussão) já havia sido tratada na Reforma Trabalhista – Lei 13.467/17.

Além disso, também não é possível identificar urgência que justifique a implementação dessa alteração de modo imediato, sacrificando o necessário debate parlamentar – e social – que devem preceder tal medida.

Se a matéria tratada na MP 873/2019 fosse realmente urgente, deveria ter sido foi incluída na Reforma Trabalhista aprovada ainda no ano de 2017, porém, nada se tratou a respeito. Não se pode “criar” uma urgência de uma hora para outra.

Considerando todos estes argumentos, o Escritório Sílvia Mourão Advogadas Associadas tem obtido êxito nas ações civis coletivas e mandados de segurança ajuizados perante o Tribunal do Trabalho da 8ª Região e Tribunal do Trabalho da 16ª Região para sustar os efeitos da MP 873/2019 e garantir a manutenção dos descontos das mensalidades sindicais em folha de pagamento.

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